A final do campeonato de basquetebol ainda continua a suscitar opiniões. E esta que publico abaixo merece ser lida com atenção.
Propositadamente deixei passar a histeria nacional que se abateu sobre
os incidentes registados no final do quinto e último embate do playoff
de basquetebol. E só agora, semanas depois e quando o mundo está a olhar
para o Europeu de futebol, resolvi dizer algumas coisas sobre aquilo
que ocorreu no Dragão Caixa.
Quem jogou basquetebol tantos anos e
passou mais uns quantos a ser treinador jamais poderá dizer que não
aprecia uma final de playoff até ao último encontro, até à derradeira
posse de bola. Essa é a essência do sistema de disputa que, com o passar
dos anos, em Portugal e não só, foi adoptado por variadíssimas
modalidades. Por isso, a primeira ideia que pretendo transmitir é que
Benfica e FC Porto foram dignos finalistas e tudo fizeram para ficar com
o título.
Ganharam as águias, mas podiam ter ganho os dragões.
Os encarnados foram mais fortes na final e na maioria dos confrontos
directos, mas os azuis e brancos mostraram ser mais consistentes na fase
regular, como se atesta pelo facto de terem terminado na frente, pese
terem perdido os dois duelos com o rival.
Emoção e incerteza
quanto ao vencedor não significa, desde logo, bons espectáculos. Benfica
e FC Porto, durante a final, mostraram problemas exagerados para
controlar a posse de bola, para acertar lançamentos relativamente
fáceis, para cobrar lances-livres. Mérito das defesas? Sim, em parte,
mas não sempre. Nervos e ansiedade próprios do momento? Sim, em parte,
mas essa desculpa não pode servir sempre quando em causa estão os
melhores conjuntos nacionais, recheados de elementos experientes e
habituados a embates ao mais alto nível, nomeadamente ao serviço da
Seleção Nacional.
Segunda ideia: ninguém falou dos árbitros após o
jogo 5. E se ninguém o fez, tal deve-se ao simples facto dos juízes
terem tido um trabalho sensacional em condições naturalmente complicadas
face ao carácter decisivo do embate. O Benfica não ganhou por ter sido
ajudado, nem o FC Porto perdeu por ter sido prejudicado. O mesmo se
diria, aliás, se o "tiro" de meio-campo de Carlos Andrade tivesse
entrado.
Bom, passemos então ao resto. No que pouco ou nada tem a
ver com basquetebol, mas que conseguiu fazer com que o País, de
repente, mais parecesse a Lituânia, visto que toda a gente só falava da
modalidade. Falo dos cidadãos anónimos, mas também de um ror de
opinadores que, pese nunca terem sido vistos num pavilhão, foram céleres
a dizer de sua justiça.
Os gestos que Carlos Lisboa protagonizou
no final do encontro não são bonitos. E não deviam ter sido feitos. Mas
foram, no seguimento de um momento de enorme stress em que, nesta ou
noutra modalidade, os intérpretes têm dificuldade em controlar as
emoções, em ignorar os apupos. O técnico disse depois, em entrevista a
Record feita por mim, que os gestos tiveram um único destinatário. Um
sujeito que foi para o pavilhão carregado de cartazes a implicar com o
treinador encarnado e com alguns jogadores.
Tenho para mim que a
pressão vinda das bancadas faz parte do processo da alta competição.
Considero que jogadores, treinadores ou dirigentes devem aprender a
lidar com isso. Lisboa, pese toda a sua experiência, vacilou e ficou mal
na fotografia. No entanto, como tantas vezes se diz, é preciso ver para
além da imagem que nos chega. Que quer isso dizer? Basicamente que ele
não é louco, da mesma forma que diria que Carlos Andrade não seria louco
se, num dos duelos da Luz, fosse mais longe na resposta às contínuas
provocações de que foi alvo por parte de muitos adeptos encarnados.
Lisboa
não esteve bem e sabe-o, da mesma forma que sabe (e disse) porque
reagiu de forma inapropriada. Ainda assim, para uns quantos iluminados
da nossa praça, "devia ser irradiado" ou, mais engraçado, "não faz falta
ao desporto nacional".
Sou pela democracia e isso faz-me
defender que todos têm direito a expressar as suas opiniões. Mas a
liberdade, acrescente-se, também me permite não concordar com algumas
das coisas que leio, vejo ou escuto. Mais: faz com que possa
directamente criticar as opiniões alheias. E é exactamente por
beneficiar desse previlégio que hoje, neste espaço, gostaria de saber o
que é que esses entendidos recomendariam caso Carlos Lisboa tivesse
agredido alguém?
Neste país de memória curta - e não me peçam
para dar exemplos porque o texto já vai longo - muitos presidentes de
federações, dirigentes ou treinadores não estariam em funções se os tais
"moralistas" pudessem pintar o mundo à sua maneira. Ou as opiniões
mudam consoante o clube do prevaricador?
Um senhor bizarro e
estridente, que é excelente na sua área profissional mas não descansou
enquanto não ganhou protagonismo no clube do coração, acha que "Lisboa
está a mais no desporto nacional". É uma opinião. Perante isso gostava
de saber o que pensa sobre o treinador de futebol do seu clube?
Provavelmente estava fora quando esse agora técnico atravessou a capital
de uma ponta a outra antes de agredir o seleccionador... E também devia
estar ocupado quando a mesma pessoa, então na pele de dirigente,
agrediu um futebolista do seu próprio clube. É pena ser tão esquecido...
Mas, acredito, a amnésia (selectiva) acabará um dia.
PS – Para
quem não sabe ou já se esqueceu: não foi a primeira vez que um campeão
nacional de basquetebol recebeu a taça no balneário e os incidentes
registados no Dragão Caixa não foram os mais graves que aconteceram no
basquetebol nacional (no Porto, por exemplo, já sucederam episódios
consideravelmente piores). A diferença é que, no passado, não tínhamos
twitter, facebook, telemóveis, vários canais televisivos, Internet, etc,
etc.